Notas sobre Funções de Green FMA 43 Prof. Luís Raul Weber Abramo Departamento de Física Matemática Instituto de Física USP Introdução geral às funções de Green A função de Green (G. Green, c. 828) é uma ecelente técnica para resolver equações diferenciais do tipo: ˆLψ() = f(), () onde ˆL é um operador diferencial de 2 a ordem. A idéia é que, em vez de resolver a Eq. (), nós resolvemos a equação: ˆLG(, ) = δ( ). (2) Se for possível encontrar a função de Green G(, ) que satisfaz a equação acima, então a solução da Eq. () é: ψ() = d G(, ) f( ). (3) Note que eistem innitas funções de Green que satisfazen a Eq. (2), já que sempre é possível adicionar uma função ψ h () a G(, ), onde ˆLψ h =, e G(, ) + ψ h () será também uma função de Green que satisfaz a Eq. (2). Isso faz com que possamos escolher a função de Green apropriada de acordo com a situação, de forma que a solução obedeça a qualquer condição de contorno. Você pode ter mais (muito mais) detalhes nas notas do Prof. João Barata. Funções de Green em eletrostática No Eletromagnetismo, a primeira função de Green que vocês devem ter encontrado apareceu na Eletrostática. Na verdade, como vocês sabem, o potencial no ponto devido a uma carga pontual num ponto é: φ q ( ) = Como o potencial acima é a solução da equação de Poisson: q 4πɛ. (4) 2 φ = ρ ɛ = q ɛ δ( ), (5)
2 isso signica que: ( 2 ) 4π = δ( ). (6) Ou seja, a função de Green para a equação de Poisson é /4π. Na verdade, essa é a função de Green que faz com que o potencial vá a zero quando r. Para outros problemas, com outras condições de contorno, você pode encontrar outras funções de Green. Funções de Green em Eletrodinâmica Quando há cargas e correntes em movimento, as Equações de Mawell (no calibre de Lorentz) adquirem a forma: φ(t, ) = A(t, ) = ( 2 c 2 ) 2 t 2 φ(t, ) = ρ(t, ), (7) ɛ ( 2 c 2 ) A(t, 2 t 2 ) = µ J(t, ). (8) O operador é conhecido como D'Alembertiano. Buscamos encontrar a função de Green que satistaz: G(t, ; t, ) = δ(t t )δ( ), (9) de forma que a solução de: ψ(t, ) = f(t, ) () seja dada por: ψ(t, ) = dt d 3 G(t, ; t, )f(t, ) () Vamos encontrar essa função de Green utilizando transformadas de Fourier. Ou seja: ψ(t, ) = ψ(ω, k) = dω d 3 k (2π) 4 eiωt e i k ψ(ω, k). (2) dt d 3 e iωt e i k ψ(t, ). (3) Fazendo a transformada de Fourier da Eq. () obtemos: ) ( k 2 + ω2 ψ c 2 = f ψ = f. (4) k 2 ω2 c 2 Agora, basta fazer a transformada inversa de Fourier para obter ψ(t, ) em termos de f(t, ). Portanto:
3 ψ(t, ) = = = dω d 3 k (2π) 4 eiωt e i k f(ω, k) (5) k 2 ω 2 /c 2 dω d 3 k (2π) 4 eiωt e i k k 2 ω 2 /c, dt d 3 e iωt e i k f(t, ). (6) 2 dω d dt d 3 f(t, 3 k ) (2π) 4 eiω(t t ) e i k ( ) k 2 ω 2 /c. (7) 2 Comparando esta última epressão com a Eq. (), notamos que a função de Green é dada pelos termos à direita do sinal, ou seja: G(t, ; t, ) = dω d 3 k (2π) 4 eiω(t t ) e i k ( ) k 2 ω 2 /c 2. (8) Para computar esta integral, é útil denir os intervalos de tempo e espaço, t = t t e =. Assim, podemos escrever: G(t, ; t, ) = (2π) 4 dω e iω t d 3 k e i k k 2 ω 2 /c 2. (9) Podemos escolher qualquer sistema de coordenadas que desejarmos na integral, em particular podemos escolher o eio de k z na direção de. Assim, temos: G(t, ; t, ) = (2π) 4 dω e iω t dkk 2 eik cos θ 2π d(cos θ) k 2 ω 2 /c 2 dϕ = (2π) 4 dω e iω t k 2 ( (2π) dk k 2 ω 2 /c 2 e ik e ik). (2) ik Simplicando a eponencial em termos de sen(k) e trocando a ordem das integrais em k e em ω obtemos: G( t; ) = c2 4π 3 dk k sen(k) dω e iω t ω 2 k 2 c 2. (2) A integral em ω pode ser resolvida pelo método dos resíduos. Eistem dois pólos no plano de ω compleo um em ω = kc e outro em ω = kc. A integral acima depende, portanto, de como fechamos o contorno nesse plano compleo para incluir um, dois, ou nenhum dos dois pólos (é claro que, se a escolha fôr tal que nenhum pólo cai dentro do contorno, a integral se anula). Algumas opções de contornos possíveis são mostradas na gura. Muitas outras escolhas podem ser feitas além dessas duas mostradas na gura: você poderia escolher incluir o pólo da direita mas não o da esquerda; ou você poderia escolher incluir o da esquerda e não o da direita; você poderia até escolher uma combinação linear dessas duas escolhas! Essa liberdade na escolha do contorno, e quais resíduos portanto vão determinar a integral, é uma consequência da liberdade que temos para escolher qual função de Green queremos. Lembre-se
4 Im(ω) Im(ω) Re(ω) Re(ω) Figura : No painel da esquerda, se o contorno é fechado por cima os pólos são incluídos e a nossa integral é dada pela soma dos resíduos; se o contorno é fechado por baio, a integral dá zero. Já no painel da direita, é o inverso que ocorre. que eistem innitas funções de Green, e a nossa escolha deve se pautar pelas condições de contorno ou outros argumentos de natureza física. Eu vou economizar algumas páginas de cálculos e dizer para vocês que a escolha apropriada para problemas que envolvem radiação de ondas eletromagnéticas é a escolha do painel esquerdo da Fig.. Essa escolha leva à função de Green retardada que nós discutimos em sala de aula. Note que, para que a integral possa ser fechada por cima é necessário que, na Eq. (2), iω t quando Im(ω) +. Em outras palavras: para a nossa escolha de incluir ambos os pólos, é preciso que t >. Se t < então o contorno deve ser fechado por baio, nenhum dos pólos é contido no contorno e a integral dá zero. Ou seja: G( t; ) = c2 4π 3 dk k sen(k) θ( t) 2πi Tomando ambos os resíduos, em ω = ±kc, obtemos: e iω t (ω ω j ) ω 2 k 2 c 2. (22) res ω j G( t; ) = c2 θ( t) 2π 2 i = c θ( t) 2π 2 dk k sen(k) 2 sen(kc t) 2kc ( e ik e ik ) ( e ikc t e ikc t ) dk 2i 2i (23). (24) Agora, basta usar o fato de que o integrando é uma função par de k, e que: dk e ik = 2π δ(), (25)
5 e o resultado é que: G( t; ) = c θ( t) 4π [δ( + c t) δ( c t)]. (26) Devido à função-degrau θ( t), apenas a segunda função δ pode ser diferente de zero, o que nos dá o resultado nal: G( t; ) = θ( t) 4π δ[t (t /c)]. (27) O argumento da função δ pode ser escrito em termos do tempo retardado t R = t /c. O termo /c é o tempo que um sinal que caminha à velocidade da luz leva para ir do ponto até o ponto. Um observador no ponto, no instante t, vê portanto um sinal que foi emitido no ponto no instante t R. O que equivale dizer: um sinal emitido no instante t, no ponto, chega no ponto no tempo t = t + /c. É a função de Green retardada que nos dá a noção de causalidade, de uma ordem na natureza (no caso, na natureza do Eletromagnetismo) que determina que causas têm que vir antes dos efeitos. Essa propriedade causal do Eletromagnetismo foi depois etendida para toda a Física, e levou à Teoria da Relatividade Especial de Einstein, em 95. Para nalizar, vamos escrever a solução nal para as ondas no nosso campo ψ em termos da fonte e da função de Green retardada. De () temos: ψ(t, ) = dt d 3 4π δ[t t R ] f(t, ) = d 3 f(t R, ), 4π Note que eu suprimi a função θ nessas últimas epressões, porque de fato ele é redundante a condição de que t > é sempre satisfeita no caso que estamos considerando. Eu z a última integral, em dt, apenas para mostrar como o nosso resultado nal se relaciona com outros resultados do Eletromagnetismo, que podem ser mais familiares. Se pusermos o potencial elétrico φ em vez de ψ, e ρ/ɛ no lugar de f, obtemos simplesmente a solução conhecida da eletrostática. Mas note que agora a densidade de carga não é a instantânea (em t), mas aquela num instante anterior, t R = t /c.